segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Namorado, ami, amoureux, innamorato...

Ter ou não ter namorado, eis a questão
Atribuído a Carlos Drummond de Andrade,
mas é de Artur da Távola.
Seja de que iluminado for, é um texto belíssimo, escrito em um momento de benfazeja inspiração.Está tudo aqui, tudo o que gostaria de expressar mas...não soube. Guardei o recorte do "Jornal do Brasil" de 20 de dezembro de 1993. Bem amarelado, quase rasgando,mas com esta magnífica crônica e a foto de Carlos Drummond de Andrade. Encimando a página do caderno B, havia a frase: Nem tudo é lama. Perfeita.
Depois, pesquisaram e viram que poderia ser de Arthur da Távola.
Qu'importe?
Quem não tem namorado é alguém que tirou férias remuneradas de si mesmo. Namorado é a mais difícil das conquistas. Difícil porque namorado de verdade é muito raro. Necessita de adivinhação, de pele, saliva, lágrima, nuvem, quindim, brisa ou filosofia. Paquera, gabira, flerte, caso, transa, envolvimento, até paixão é fácil. Mas namorado mesmo é muito difícil.
Namorado não precisa ser o mais bonito, mas ser aquele a quem se quer proteger e quando se chega ao lado dele a gente treme, sua frio, e quase desmaia pedindo proteção. A proteção dele não precisa ser parruda ou bandoleira: basta um olhar de compreensão ou mesmo de aflição.
Quem não tem namorado não é quem não tem amor: é quem não sabe o gosto de namorar. Se você tem três pretendentes, dois paqueras, um envolvimento, dois amantes e um esposo; mesmo assim pode não ter nenhum namorado. Não tem namorado quem não sabe o gosto da chuva, cinema, sessão das duas, medo do pai, sanduíche da padaria ou drible no trabalho.
Não tem namorado quem transa sem carinho, quem se acaricia sem vontade de virar lagartixa e quem ama sem alegria.
Não tem namorado quem faz pactos de amor apenas com a infelicidade. Namorar é fazer pactos com a felicidade, ainda que rápida, escondida, fugidia ou impossível de curar.
Não tem namorado quem não sabe dar o valor de mãos dadas, de carinho escondido na hora que passa o filme, da flor catada no muro e entregue de repente, de poesia de Fernando Pessoa, Vinícius de Moraes ou Chico Buarque, lida bem devagar, de gargalhada quando fala junto ou descobre a meia rasgada, de ânsia enorme de viajar junto para a Escócia, ou mesmo de metrô, bonde, nuvem, cavalo, tapete mágico ou foguete interplanetário.
Não tem namorado quem não gosta de dormir, fazer sesta abraçado, fazer compra junto. Não tem namorado quem não gosta de falar do próprio amor nem de ficar horas e horas olhando o mistério do outro dentro dos olhos dele; abobalhados de alegria pela lucidez do amor.
Não tem namorado quem não redescobre a criança e a do amado e vai com ela a parques, fliperamas, beira d'água, show do Milton Nascimento, bosques enluarados, ruas de sonhos ou musical da Metro.
Não tem namorado quem não tem música secreta com ele, quem não dedica livros, quem não recorta artigos, quem não se chateia com o fato de seu bem ser paquerado. Não tem namorado quem ama sem gostar; quem gosta sem curtir quem curte sem aprofundar. Não tem namorado quem nunca sentiu o gosto de ser lembrado de repente no fim de semana, na madrugada ou meio-dia do dia de sol em plena praia cheia de rivais.
Não tem namorado quem ama sem se dedicar, quem namora sem brincar, quem vive cheio de obrigações; quem faz sexo sem esperar o outro ir junto com ele.
Não tem namorado que confunde solidão com ficar sozinho e em paz. Não tem namorado quem não fala sozinho, não ri de si mesmo e quem tem medo de ser afetivo.
Se você não tem namorado porque não descobriu que o amor é alegre e você vive pesando 200Kg de grilos e de medos. Ponha a saia mais leve, aquela de chita, e passeie de mãos dadas com o ar. Enfeite-se com margaridas e ternuras e escove a alma com leves fricções de esperança. De alma escovada e coração estouvado, saia do quintal de si mesma e descubra o próprio jardim.
Acorde com gosto de caqui e sorria lírios para quem passe debaixo de sua janela. Ponha intenção de quermesse em seus olhos e beba licor de contos de fada. Ande como se o chão estivesse repleto de sons de flauta e do céu descesse uma névoa de borboletas, cada qual trazendo uma pérola falante a dizer frases sutis e palavras de galanteio.
Se você não tem namorado é porque não enlouqueceu aquele pouquinho necessário para fazer a vida parar e, de repente, parecer que faz sentido.
Enlou-cresça.


Vejam, por exemplo, a língua francesa pela qual me apaixonei , je suis tombée amoureuse, não possui o termo namorado,e nem mesmo o verbo namorar. Para namorado, temos: amoureux,se; ami,e; petit,e ami,e; copain,ine; e para namorar dizemos:sortir avec.
Uma língua tão rica,tão querida, mas que não possui estes termos essenciais e nem saudade.
Lembram lá em cima, no início da nossa conversa de hoje, quando falei do título que encabeçava a página do JB ? Nem tudo é lama. Pois é. Na nossa última conversa , estava bem zangada, revoltada com a falta de mémória histórica de alguns. Ando bem enojada com as notícias dos jornais nossos de cada dia...Por exemplo:em Brasília, os políticos se auto-aumentaram os salários já tão baixos ??!! Crianças só têm como merenda uma mariola !?!? E mostram ainda a foto da "geladeira" ( entre aspas pois um dia em um passado distante foi uma geladeira. E o jeito como a comida das crianças são guardadas !?!? Será que na mesa dos políticos responsáveis por este descalabro também só há uma mariola ?!?! E esta moda agora deste horror que é o UFC-MMA???? Voltamos aos tempos dos gladiadores. Meu Deus !!! É completamente insano. Como podem ver e dar valor a tanta violência ?? E pior, uma violência permitida e aplaudida !!! As pessoas estão enlouquecendo , só pode.
Daí ler Drummond, Távola, Pessoa, Rimbaud, Verlaine, Hugo em VOZ ALTA ! Bem ALTA !! Quem sabe não nos ouvem ?

2 comentários:

  1. Olá, Angela!
    Que bom que vc voltou a escrever! Sempre ilumina nossos dias que não são tão fáceis, né?
    Eu sou jornalista de formação, mas abandonei a profissão justamente pelo que virou: que onda é essa de enaltecer o ruim e de naturalizar o falso, o mentiroso, o que deprime...
    Ainda bem que ainda há pessoas com sensibilidade e disposição para não deixar a poesia morrer!
    Obrigado por este espaço!
    Beijo grande,
    André Sena

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  2. Impossível concordar mais Angela! Não só com o texto mas também com suas colocações no final. Ao chegar ao final do poema, pensei que dá para namorar si mesmo, se conhecer, se gostar de verdade. E que desigualdade vai existir sempre, mas o que não podem é nos conformarmos com isso. Boa mensagem para o Ano Novo que bate à porta!

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